28/05/2007

cara, ando pensando seriamente em participar de alguma atividade humanitária e acredito que o primeiro passo é identificar um grupo ou minoria que necessite da minha intervenção solidária. lendo o jornal de domingo encontrei desajustados sociais que precisam urgentemente de ajuda: os intelectuais! percebi que os intelectuais são criaturas amargas e excluídas dos pequenos momentos de felicidade. é só observar: quando os intelectuais querem demonstrar desprezo por filmes utilizam, de forma pejorativa, as expressões "cinema-pipoca" ou "cinema-blockbuster". podemos concluir que intelectuais não gostam de pipoca, que é sem dúvida alguma uma das coisas mais divertidas da vida, nem entram em locadoras de DVD para alugar um filme — pelo jeito, assistir um filme no calor do edredon, com a namorada, família, amigos ou até mesmo sozinho, é uma experiência pagã que os intelectuais não se permitem. intelectuais são pessoas tristes que cultivam uma espécie de auto-flagelo em busca de um vínculo direto com uma inteligência imaginária divina. para tal, viajam aos subterrâneos do dessabor em busca da purificação. gostam de sofrer com dramas repletos de sombras, diálogo-cabeça e sequências torturantes que, definitivamente, levam qualquer um para o fundo do poço. chamam isso de cult, que significa culto, adoração, veneração. ou seja, são fundamentalistas e, como todos os fundamentalistas, são perigosos e dominados pelo lado negro da força. outras expressões que os intelectuais utilizam em suas críticas como "parque temático" e "enlatados" deixam claro que eles não estão para brincadeiras ou facilidades. está decidido: vou resgatar a cidadania e dignidade dos intelectuais!

24/05/2007

acordei. voltei a dormir. acordei. virei para o outro lado. acordei novamente — engraçado, fiquei com a sensação esquisita de que já estava acordado. na dúvida, resolvi dormir mais um pouco. não consegui. abri os olhos. fechei os olhos. o telefone tocou. não tem jeito, está na hora de sair da cama. andei pela casa assim meio-nonsense com um monte de idéias coloridas e performáticas na cabeça. estranhei essa palavra: per-for-má-ti-cas. sei lá! não sou o tipo de cara que sai por aí pensando em coisas "performáticas" sem que exista uma intenção oculta. será que agora ando querendo aplicar todo meu fingimento intelectual, utilizado apenas para impressionar mulheres incautas, na tentativa de seduzir as paredes? escovei os dentes e olhei para o espelho. preciso cortar o cabelo ou depois do banho aqueles fios espetados se acomodam naturalmente? banho e cabelo espetado. café. agenda: 1) parar de fumar e 2) escrever cartas. decidi escrever cartas. mais café e nada de cartas. qual era a outra opção mesmo? acendi um cigarro. em seguida, descartei definitivamente a idéia de escrever cartas. percebi que estava num daqueles dias bem divertidos e lembrei que durante a noite tive umas duas ou três idéias não-performáticas que esqueci completamente. tenho preguiça de 1) acordar, 2) parar de fumar, 3) escrever cartas e 4) anotar coisas. e se não faço anotações é certo que vou esquecer. minha memória é igual a memória RAM de um computador: desligou, faltou luz, deu pau, não salvou, adeus arquivos! "que dia maluco", pensei! fechei os olhos. acordei assustado e abri os olhos — não tenho muita certeza da ordem correta dos acontecimentos. engraçado, onde foi parar aquele monte de idéias performáticas, mulheres incautas, paredes, banho, cabelo espetado, dentes escovados, café, cartas e cigarros? na dúvida, verifiquei se estava realmente acordado. uau! como isso dói! acho que sonhei, não lembro, e no sonho, mordia o lábio inferior tentando acordar. o telefone tocou. que agonia! voltei a dormir.

18/05/2007

estou vivendo um quadro clínico interessante. minha única dúvida é se tenho experimentado momentos de loucura intercalados com o que ainda resta da minha lucidez ou momentos de lucidez intercalados com o que ainda resta da minha loucura. as coisas andam estranhas. o rádio tocava Neil Young, e estava pensando como é incrível alguém ainda escutar Neil Young nos dias de hoje, quando fui atingido por um desses insights que aparecem sabe-se lá de onde e descobri porque a relação entre Benigno e Alicia realmente não poderia acabar em coisa boa. se queremos que uma história assim termine bem, o nome do filme não deveria ser "Fale com ela" e sim "Deixe ela falar" — escutar é a lição número 4 de Nanny McPhee, mas isso acontece em outro filme e o tal Benício não deve ter assistido. e além de falar e falar e falar o enfermeiro mostrou-se um cara pouco ambicioso ao transar com uma mulher que nem se mexia na cama. sem a afetação desnecessária de traçar paralelos com os arquétipos gregos ou as teorias de Jung, fica careta que a relação de Benício e Alicia era problemática. de um lado temos um profissional dedicado e respeitado, parceiro ativo e protetor, que eventualmente levava Alicia para tomar sol. do outro lado uma criatura vivendo um silencioso estado de inconsciência e apatia. o resultado era um sexo na modalidade "abre as pernas coração" e uma convivência unilateral de idéias e desejos e aquelas coisas todas angustiantes que movem os humanos... que doideira! — pensei enquanto assistia aquela bagunça não-autorizada dentro da minha cabeça. assim já é demais para uma sexta-feira e comecei a questionar se não deveria diminuir a quantidade de café e cigarros, buscar ajuda em divãs, remédios de tarja preta ou a segurança de uma camisa de força, quando rolou um Pink Floyd e comecei a relaxar. desliguei o rádio e voltei para o trabalho.

16/05/2007

15/05/2007

14/05/2007

meme

não confundir um meme com o Memê — parceiro de Lulu Santos da fase cabelo-branco-cabelo-amarelo em Assim Caminha a Humanidade, Eu e Memê, Memê e Eu e Anticiclone Tropical. o Memê é um DJ, desses que os moderninhos andam chamando de deejay na tentativa de se distanciar do original disc jockey por lembrar uma série de coisas bizarras como corrida de cavalos, Os Embalos de Sábado à Noite, Gloria Gaynor, "Quem quer bacalhau?", USTop e outras cafonices dos anos 70 e da onda disco. mas o que é um meme então? segundo informa o Sergio Fonseca, um meme é um gene cultural que, no plural, podem ser idéias ou partes de idéias, línguas, sons, desenhos, capacidades, valores estéticos e morais, ou qualquer outra coisa. e agora que está tudo muito bem explicado, vamos ao que interessa — ou seja, e mais precisamente, a parte que fala sobre "qualquer outra coisa".

contribuição meme para meus contemporâneos e descendentes:

um sim nem sempre é um sim. um não nem sempre é um não. um talvez sempre é um sim ou um não, dependendo da situação.
Manual da Vida Moderna (pág. 78357) *

* 127 semanas ocupando o segundo lugar na lista dos livros mais vendidos no gênero ficção jamais escrita ou publicada.

que repasso a... ahn... mas que merda! dei de cara com um abismo social! é nisso que dá ser um indivíduo antipático-egocêntrico cheio de manias e neuroses psicossomáticas.

08/05/2007

se existe uma coisa que me entristece, essa coisa é a minha total falta de conhecimento. preciso ler mais, pensei. comprei um livro de Luc Ferry. pour une initiation à la philosophie, pensei em francês — e quase caí da cadeira surpreso com minha evolução intelectual tão rápida e sem nenhum esforço. perfeito e justamente o que preciso! Luc Ferry é um francês, continuei pensando já um pouco preocupado — se continuar nesse ritmo em pouco tempo vou me transformar num filósofo. felizmente, na terceira página já estava com sono. Porto Alegre, maio, olhei pela janela o dia frio e nublado, ideal para ir ao cinema. fechei o livro.

na entrada do cinema, enquanto decidia mentalmente entre pipoca ou castanhas salgadas, a Janice apareceu do nada. seja quem for a Patricia, ela é uma dessas pessoas que classifico como de alto risco. alguém que lembra nomes e o que você fez no verão passado não pode ser normal. e ela lembrava meu nome e coisas que aconteceram no verão passado. a Adriana, saltitante e sorridente como um coelho, faz o tipo bem moderninha e acredito que os moderninhos transformaram o mundo num lugar piegas no volume máximo — "a vaidade, com certeza, é o meu pecado predileto", segundo Al Pacino no Advogado do Diabo. me livrei da Débora e entrei no cinema. Débora ou Adriana? ahn...

se existe uma coisa que satisfaz plenamente minhas ambições por diversão rápida e descartável, essa coisa é um filme de ação produzido pelos norte-americanos. absoluta falta de dramaticidade onde o que interessa são carros e prédios e cidades e planetas com pessoas e alienígenas e coelhos explodindo pra todos os lados. muitos efeitos especiais, sem culpas ou a preocupação do tipo "como vamos limpar essa sujeira toda depois?" um alívio para alguém que acabou de ler três páginas inteiras de um livro de filosofia e encontrou a Magali na entrada do cinema. mas não é que os caras transformaram um filme de ação num questionamento filosófico patético do tipo pour une initiation à la philosophie? alguém pode levar a sério o que o Homem Aranha tem a dizer ou está interessado no seu amadurecimento enquanto gente-humana-EMO-ou-sei-lá-o-que? o cara discute relação com a namorada, avó, amigo, colegas de trabalho, patrão, guarda da esquina, vilão e até com seu alter ego... não, não, não.

saí do cinema aborrecido precisando de uma dose urgente de açúcar. enquanto decidia mentalmente entre M&M's de amendoim ou chocolate, a Luiza apareceu do nada de novo — surpreendente essa mulher! e ela continuava falando sobre o mar e o sol e nomes de pessoas que lembravam vagamente alguma coisa relacionada ao verão passado. amendoim ou chocolate? fluidos não-newtonianos: basicamente, você enche uma piscina com água e maisena e vê o mingau que dá. minhas atuais dúvidas existenciais parecem bem razoáveis e equilibradas: The Sidewinder Sleeps Tonite, do REM ou Walking After You, do Foo Figthers? será que é muito cedo para escrever uma carta para o Papai Noel? amendoim! ando repetitivo? tudo bem, a auto-estima bate no teto, todas as contas pagas e uns pequenos luxos encomendados pela internet. suspiro! como Scaranzi se parece com aquela felicidade que sempre procurei. fim de semana, qualquer direção, feito bala perdida. o que você faz de novo mesmo que seja novo somente para você. óquei, sem conflitos. todos os dias o sol nasce e blá, blá, blá. e por falar em blá, blá, blá... como essa mulher fala! e qual é mesmo o nome dela?

03/05/2007

no mundo existem dois tipos de pessoas: os vencedores e os perdedores. a afirmação não é original e está presente no filme-cereja Pequena Miss Sunshine, onde uma família de retardados viaja a bordo de uma Kombi inspirados por Proust, passos de auto-ajuda e mais uma série de esquisitices — o avô da menina cheirar heroína não tem precedentes no quesito "faça a coisa errada do jeito errado na idade errada" e o gay megalomaníaco-suicida-fracassado-melodramático não é nenhuma novidade em divãs ou conversas de bar. caretas tão inofensivos que me fizeram lembrar de Nelly Furtado: no, you don't mean nothing at all to me, do you got what it takes to set me free?

foi grande o esforço para não adormecer ou viajar em alguma outra coisa mais interessante, mas a preguiça impedia qualquer aventura na cozinha em busca de um sanduíche de queijo com peito de peru e um copo de Coca-Cola. decidi esquecer o filme, o sanduíche, o copo de Coca-Cola e concentrar o que ainda restava de luz entre meus olhos semi-abertos na questão sobre vencedores ou perdedores. sem nenhum sucesso fiquei imaginando o perfil de um possível vencedor: saudável, sem vícios, resolvido financeiramente e profissionalmente, despertando ao lado do indissolúvel grande amor da sua vida e completamente alienado a tudo que acontece fora da janela do carro e do apartamento — o que seria muito fácil para alguém como eu que tem como únicas preocupações atuais as moedas e os cupins, duas pragas modernas que não consigo me libertar.

acontece que estou começando gostar da idéia de ser um perdedor e ando muito afim de ficar trancado numa mesquita lendo os ensinamentos do Corão ou me dedicar a qualquer outra atividade que exija 1% de ação e 99% de contemplação. participar de alguma reunião de desajustados sociais abraçando psicóticos durante exercícios coletivos de integração — essas coisas loucas todas, como conversar com árvore e parede e arco-íris, ser devoto de algum santo, bruxo ou orixá, também parecem boas idéias. sabe assim? enquanto o mundo inteiro luta para descobrir quem é o melhor ou tem mais contas para pagar no final do mês, ficar só observando uma folhinha balançando de lá pra cá e de cá pra lá, passarinhos cantando, água correndo, pouco vento, o sol atravessando as janelas, um cenário blasé e uma vontade louca de me aventurar na cozinha em busca de um sanduíche de queijo com peito de peru e um copo de Coca-Cola. e não falta mais nada. tudo simplesmente impecável como a voz de Mart’nália andando de madrugada pela casa feito traça, feito barata, feito cupim... não. pensando bem, cupim não.