28/02/2007

anyway... estive adormecido e agora preciso acordar, preciso mudar, lá-lá-lá! finalmente tomei uma decisão sensata: decidi que vou morrer no dia 23 de abril de 2048. um homem precisa de objetivos. com maturidade, algumas doses de uísque e o auxílio luxuoso de uma agenda, consegui desenhar metas ousadas para os próximos anos: 1) acumular 1.000.000.000 de dólares na minha conta corrente, 2) trocar o filtro do aspirador de pó e 3) parar de fumar — um cálculo simples (Max (r + w/2)2 + (r + w/2)2 + b2) comprova que a vida de um fumante com a minha idade corre sério risco de não ultrapassar o reveillon de 2047. também entrei numas de aumentar o meu círculo de amizades e vou começar frequentando reuniões de alcoólicos anônimos, dependentes de remédios de tarja preta, viciados em filmes de sexo explícito com fantoches (eu falei fantoches, e não fetiches! existe sim, lá no You Tube tem de tudo, acredite!), feirinhas da associação de proteção aos gatos da Redenção e retiros em comunidades Hare Krishna. gosto de gente maluca de verdade. o cotidiano é cruel e em pouco tempo as pessoas saudáveis perdem a capacidade de interpretar os personagens que inventam para si mesmos. um mês de convivência, sem esconderijos nem subterfúgios, e o dia-a-dia transforma qualquer criatura num ser desprezível. manias e intolerâncias tomam posse e adeus sedução, postura correta pra sentar no sofá e outras formalidades. o instinto pela sobrevivência é foda, por isso prefiro aqueles que demonstram total ignorância, preguiça e irresponsabilidade, logicamente, com alguma perspicácia — ou seja, os mais divertidos. quem suporta gênios e exemplos-a-serem-seguidos o tempo inteiro? enfim, acho que já tenho uma razoável quantidade de atividades para os próximos meses.

25/02/2007

acreditei nessa conversa mole
pensei que o mundo ia se acabar
e fui tratando de me despedir
e sem demora fui tratando de aproveitar
beijei a boca de quem não devia
peguei na mão de quem não conhecia

outro dia estava assistindo televisão — jornalismo sério, honesto e totalmente descomprometido, e rolou uma matéria sobre a existência de um relógio que indicava faltar apenas dois minutos para o fim do mundo. a informação era de um grupo de cientistas-malucos do Institute of Statistics and Indecision Neurotic Science de Londres — igualmente sérios, honestos e totalmente descomprometidos. quase entre numas e outras e pirei pensando que nunca mais fosse voltar, corri para o telefone e liguei para o meu filho — eu te amo e a gente se encontra por aí! depois abracei a Azeitona e quando dei por mim estava no pátio olhando para o céu esperando o início de um show pirotécnico, visto antes somente pelos dinossauros, que anunciariam a volta de Deus, Diabo, Elvis Presley, Clóvis Bornay, Paulo Fancis e do cometa Halley. dois minutos, três, quatro, e nada. voltei para dentro de casa convicto de que a teoria de Darwin ou tem erros comprometedores na tradução para o português ou é maior obra de ficção corporativista da história. é impossível que uma espécie tão estúpida como a nossa seja resultado de uma evolução natural.

E o mundo não se acabou (Adriana Calcanhotto)

23/02/2007

eba! acabo de matar uma lesma e matar uma lesma é uma tarefa muito simples — basta colocar uma pitada de sal e observar o bicho se contorcendo. não que eu sinta alguma satisfação excêntrica em matar lesmas, mas na falta de algo melhor para fazer, considerei uma opção bastante razoável. tudo bem, nada de pânico! também tenho os meus motivos e justificativas e era só uma lesma, não uma árvore da Floresta Amazônica. acho que vamos todos sobreviver e podemos conviver pacificamente com esse pequeno delito, juntamente com aqueles segredos guardados no armário, coleção de vaidades, desejos frustrados, moinhos de vento, leituras inúteis, opiniões raivosas, balas perdidas, universos ínfimos e a inevitável invasão do Irã — antes que seja tarde, sugiro que outro país faça o serviço. os norte-americanos são irritantemente incompetentes quando o assunto é invadir-na-porrada países subdesenvolvidos. quem sabe os franceses? muito mais élégant, embora mais traumático e pouco recomendável assistir no YouTube o vídeo de Mahmoud Ahmadinejad sendo executado na guilhotina. em protesto, a turma da maçã-para-as-professoras pode brincar de boicote aos livros de Proust, champanhe e filmes com participação do Jean Reno. perfeito! uma pitada de sal e acabou o assunto, o amor às causas perdidas, the answer is blowin' in the wind e seja o que for! e depois seguimos com nossas vidas como se nada tivesse acontecido. é por essas e outras que mato lesmas! nunca chegamos num acordo. sempre que jogo as criaturas de volta no jardim, elas retornam e insistem em desenhar aqueles rastros gosmentos pelas paredes. ah, vão se fuder!

21/02/2007

trabalho é uma coisa que não deveria existir. dizem que trabalhar fazendo algo que se gosta é legal. ahn, vamos ver... legal é o meu filho, banho de mar e comida congelada. China in Box é muito mais que legal e cinema, uísque, sexo com amor, Menino Deus, cigarros, café expresso e Nando Reis. papo cabeça sem nenhuma noção debochando de Freud também é legal e aquele diálogo maluco sobre Dostoievski no filme Amores, de Domingos Oliveira, aquilo é surreal. infinitas combinações de suco de frutas com vodka e vestido de noiva — ah, é sensacional! sabe como é, vestido de noiva lembra fetiche, sacanagem, tapa na cara, algemas e outras... ahn, manifestações festivas do gênero. Porto Alegre deserta durante o feriado de Carnaval e observar a Azeitona implicar com o próprio rabo — é tri-legal! escrever que tem dias que são ontem, sem amanhã, curvatura do espaço e tempo numa espiral que insiste em nos afastar, gravidade zero, atmosfera hostil, chuva de meteoros, ventos solares, nenhuma forma de vida, partículas de poeira, órbita do nada, probabilidade infinita tão improvável que sinto falta de ar, é mais ou menos legal, porque na real não significa nada e é só mais uma bobagem. mas isso tudo lembra férias e não trabalho. trabalhar fazendo essas coisas não faz nenhum sentido. é como ser amado, e todo mundo sabe que a doideira mesmo é amar. enfim, é que quando eu me toquei achei tão estranho... as férias acabaram e vou levar semanas pra recuperar o bom humor.

09/02/2007

Solar da Marquesa

101
girou a chave, abriu a porta e seguiu rapidamente na direção do banheiro. tropeçou. na tentativa de se apoiar em alguma coisa acabou enfiando a mão dentro do aquário espalhando pelo chão meia dúzia de Guppy's perplexos com a súbita descoberta de que a vida é mesmo uma coisa muito frágil, uma bobagem, uma irrelevância. cambaleou mais alguns passos e chutou uma pilha de CD's que estavam no caminho. "que zona! preciso contratar uma faxineira", pensou. conseguiu restabelecer o equilíbrio e alcançou seu objetivo sem calcular com muita precisão a distância, o que provocou um "filho da puta!" sufocado pela dor resultante do choque de seu joelho contra a pia. abriu a torneira e a água misturada com o sangue que encharcava suas mãos escorreu pelo ralo. "que dia de merda!", resmungou, enquanto ouvia o som das sirenes se aproximando.

102
o coração queria sair pela boca abandonando rins, pulmões, fígado, cérebro e todos os outros órgãos a própria sorte. os músculos em estado de alerta, a respiração ofegante, olhos e ouvidos e mãos espalmadas contra a porta de carvalho do hall de entrada do apartamento. "preciso imunizar essa porta antes do verão", lembrou num segundo de distração. aquilo foi um grito de horror, tinha absoluta certeza. seguido de passos apressados pelas escadarias e corredores do prédio. agora, silêncio. talvez, sirenes. se aqueles malditos poodles do 201 parassem de latir seria possível escutar alguma coisa ou dormir em paz nesse condomínio.

103
...entendam a teoria de Lacan: as fantasias precisam ser irreais, porque no momento que se consegue o que quer, não se pode querer mais. para poder continuar a existir, o desejo deve ter seu objeto eternamente ausente. não queremos algo, queremos as possibilidades imaginárias que esse algo proporciona. o desejo apóia as fantasias impossíveis e foi essa a afirmação de Pascal ao dizer que somente somos realmente felizes quando sonhamos acordados com a felicidade futura. daí os ditados: "o melhor da festa é esperar por ela" ou "cuidado com os seus desejos"...
— agora, os norte-americanos citam Lacan e Pascal até em roteiros caipiras.
— ah, eles fazem bons filmes... não que esse... ahn, possa ser classificado como um bom filme.
...não pelo fato de conseguir o que se quer, mas pelo fato de não querer mais depois de conseguir. para Lacan, viver pelos desejos nunca vai trazer a felicidade. o verdadeiro significado de ser inteiramente humano é lutar por idéias e ideais...
— hmmm... mais pipoca?
...não medir nossas vidas pelo que ganhamos em termos de desejo, mas sim por aqueles momentos de integridade, compaixão, racionalidade e, até mesmo, sacrifício próprio...
— você não acha irônico? a gente aprende tudo que não presta com os norte-americanos, só não aprendemos fazer cinema ou exercer um olhar crítico sobre as próprias vidas, que são justamente as únicas duas coisas que eles fazem direito.
...mas nós precisamos da fantasia para continuarmos vivos, pois a fantasia é o que dá cor, luz e magia aos nossos dias. caso contrário, seríamos passivos diante da realidade. mas não podemos nos prender ao imaginário. devemos sonhar, colocando pitadas de fantasias para viver bem a realidade...
— você ouviu esse grito?
— hmmm... acabaram as pipocas.

201
três poodles histéricos perseguiram uma barata completamente atordoada que, apesar da demonstração espantosa da mais completa falta de habilidade ou senso de direção, conseguiu escapar pelo ralo da área de serviço.

202
vende-se. tratar diretamente com o proprietário.

203
tua pose bronze, doce e desenhada não é o que define o meu sorriso... não. tua pele bronzeada, rascunho indefinido... não, não! por hoje chega, amanhã continuo... isso foi um grito!? e o poeta amador adormeceu sonhando com piscinas, carnificinas, aspirinas e outras rimas.

301
acordou. abriu o olho direito, depois o esquerdo. saiu da cama. procurou os chinelos, não encontrou. caminhou pelo quarto escuro e foi até o banheiro, não encontrou. hesitou. procurou o banheiro novamente, encontrou. acendeu a luz. olhou seu reflexo no espelho, colocou a língua pra fora e disse: "ahhhhhh...", lavou o rosto, procurou a toalha, não encontrou. foi até a cozinha. chaleira, água, fogão, fósforos, armário, café solúvel, colher, xícara. procurou açúcar, não encontrou. ficou imóvel, pensando, e não encontrou nada para pensar. começou a desconfiar que estava de ressaca. tentou recapitular as últimas horas: escritório, bar, cerveja, "quanto teria bebido?", outro bar, mais cerveja, sorriso, Lúcia, outra cerveja, a conta, táxi... "Lúcia!?" sentiu um calafrio percorrendo o corpo inteiro. girou lentamente e começou a caminhar na direção da sala. procurou o interruptor e, depois de algum tempo tateando as paredes, encontrou. tapete, sofá, vaso com tulipas, televisão, uma reprodução barata de Van Gogh, estante, livros, tudo em perfeita ordem não fosse um detalhe significativo: aquele não era o seu apartamento! "Lúcia!", pensou, e voltou para o quarto. uma mulher dormia tranquilamente. para não fazer barulho, foi avançando cuidadosamente até sentir a respiração dela no seu rosto. 35, no máximo 38 anos, aproximadamente 1,70 de altura, magra, pele branca — tocou com as pontas dos dedos, e macia, cabelos castanhos que alcançavam os ombros, rosto marcante, boca suave, nariz delicado, olhos verdes... olhos verdes!?
— oie!
— Lú... cia... — conseguiu balbuciar.
— o nome da garçonete no bar? sim, era Lúcia.
— ahn... desculpe.
— eu sou a Valéria, prazer! — e sorriu.
de repente, lembrou. aquele era o sorriso mais desconcertante que já tinha visto em toda sua vida. perguntou se ela estava esperando alguém e já foi sentando na cadeira vazia. disse que estava meio embriagado. não, para ser mais preciso, estava completamente embriagado. pediu desculpas e começou uma conversa maluca sobre Lacan, desejo, fantasia, realidade. ela achou engraçado, disse que também assistiu aquele filme, lembrou até o nome: The Life of David Gale, e comentou que seria reprisado naquela noite na NET e que estava tarde e que precisava ir embora e que morava ali perto. depois, sorriu mais uma vez.

302
uma barata completamente atordoada sai do ralo da área de serviço. seguindo pelos cantos das paredes, cruzou por baixo da porta e vislumbrou a imensidão glacial do piso da cozinha. aguardou alguns segundos imaginando se poodles histéricos não surgiriam novamente para interromper sua busca incansável por comida. contrariando o pensamento comum, as baratas são criaturas altamente refinadas e educadas. frequentam as melhores universidades, bibliotecas, cybers cafés, livrarias, teatros, cinemas e restaurantes diversos. optam viver na escuridão dos encanamentos porque ficam horrorizadas com as repugnantes donas de casa que só sabem se comunicar através de gritos e chineladas. próxima ao fogão, nossa pequena invasora sentiu um aroma entorpecedor e imediatamente começou ver luzinhas psicodélicas piscando. em seguida, a cozinha começou a girar, escutou um mantra Hare-Krishna-Krishna-Hare-Hare-e-afins, enquanto assistia passando diante dos seus olhos um leão, três poodles histéricos, Mencken e Saramago, uma bandeja de sushi e uma fatia de torta de maçã. então, ela sentiu medo, frio, uma dormência nas asas e uma intoxicação generalizada. quando as baratas sentem-se ameaçadas procuram instintivamente relaxar ficando de pernas para cima esperando que o mal passe sem ajuda alguma. aprenderam essa técnica frequentando hospitais públicos. em seguida, disse "33" e morreu.

303
nenhum movimento. o telefone toca insistentemente.

401
alguém observa através do olho mágico os movimentos dos dois sujeitos encapuzados que investem contra a porta do apartamento ao lado. um deles estava com um revólver nas mãos, o outro estava drogado. o sujeito drogado parecia nervoso e transpirava bastante. o sujeito armado começou um discurso sobre as estatísticas que comprovam o aumento do número de acidentes durante o horário de trabalho provocados pelo uso de cocaína. o sujeito drogado perguntou se outro era um sindicalista ou um ladrão e, irritado com a resistência da porta e o discurso, desferiu um chute violento contra a parede gritando de dor e raiva e arrependimento. o grito eccou pelo prédio inteiro. assustados, desceram correndo pelas escadarias e corredores. no térreo, foram surpreendidos por um sujeito que aparentemente morava naquele endereço. o sujeito armado conseguiu escapar pelos cantos das paredes, o sujeito drogado ficou encurralado. com o pé doendo e de saco cheio com aquela situação frustrante, desferiu um soco certeiro no sujeito-morador-do-prédio que caiu atordoado no chão. "que dia de merda!", pensou o sujeito-agredido-morador-do-prédio, levando imediatamente uma das mãos ao nariz para evitar que o sangue continuasse jorrando.

402
o alarme dispara na Central de Vigilância localizada há cinco quarteirões de distância. duas viaturas se mobilizam para atender o chamado e seguem para o local indicado no mapa — profissionais treinados e altamente qualificados, equipados com roupas camufladas, coletes à prova de balas, pistolas semi-automáticas, sub-metralhadoras, granadas, café, sanduíches de atum e uma boa dose de fanatismo por filmes da SWAT. as sirenes rasgam a noite e as ruas da cidade. destino: Solar da Marquesa, apartamento 402.

403
um gato persa mantém o olhar fixo no movimento suave da cortina embalada pelo vento há exatos 23 minutos e 38 segundos. entediado com a cena, muda somente o pescoço de posição e direciona seu foco de interesse para o próprio reflexo estampado na tela cinza da televisão. suspira maravilhado!

08/02/2007

em busca do litoral perdido

a vida é uma coisa chata. basicamente, você acorda, abre os olhos, se arrasta bocejando até a geladeira em busca de comida, coça os pêlos, procura um parceiro para acasalar, volta a bocejar, coça os pêlos mais uma vez, depois pensa: o que vou fazer no resto do dia? um amigo relatou que viu ou ouviu em algum lugar alguém dizendo (uma fonte absolutamente confiável e com referências seguras, como podem perceber!) que a natureza do ser humano é nascer, crescer, procriar e morrer. nós, os chimpanzés, estamos absolutamente de acordo com essa tal natureza, seja ela quem for, e quando um chimpanzé decide questionar a ordem natural das coisas citamos a frase daquele célebre chimpanzé grego que dizia mais menos assim: uhahuhahuh-uah-uah! -- na verdade, ninguém jamais conseguiu ou tentou decifrar o significado da frase. os chimpanzés não entendem nada de grego antigo e, na dúvida, preferem não evoluir em papo esquisito voltando rapidamente para nossa diversão predileta: ficar imóveis o máximo de tempo possível cada um no seu galho.

mas os humanos são criaturas agitadas e acham a maior curtição ficar pulando de árvore em árvore prosopopeando sobre qualquer bobagem. resultado: inventaram algo que chamaram de "verão". o verão era uma coisa legal porque não só encontraram o que fazer no resto do dia como passavam três meses seguidos conversando sobre nada e inventando outras coisas legais. foi assim que surgiu o "pô", o "bah" e o "capaz", a Coca-Cola com limão e gelo, o banho de mar, o protetor solar, a Bossa Nova e os aplausos para o pôr-do-sol. o problema é que o verão e as boas idéias chegaram ao fim e eles ficaram mais uma vez de bobeira coçando os pêlos, bocejando e abrindo e fechando a porta da geladeira. quando as folhas começaram a cair secas e amareladas pelo chão, decidiram descer das árvores e mudar para outro lugar em busca de mais verão -- a tal natureza que assistia aquele movimento todo achou que a faceirice dos branquelos depilados não ia dar em nada e voltou para sua diversão predileta: extinguir as espécies que demonstravam total desinteresse em possuir dentes e garras afiadas.

a caminho de outro verão, os humanos continuavam inquietos e seguiam inventando coisas para passar o tempo. aí fudeu! alguém teve a idéia do que poderia se chamar "trabalho". o trabalho era uma coisa mais do que legal porque manteria todos ocupados o dia inteiro e ainda estava acompanhado de uma outra coisa legal que chamaram de "salário". os humanos (que na opinião dos chimpanzés, invariavelmente, tem um comportamento estúpido!) rapidamente foram absorvidos pelo trabalho e não sobrou tempo para fazer mais nada. além disso, o trabalho deu início a uma série de outras invenções pouco inteligentes: contas no final de mês, agenda de compromissos, reuniões cansativas e, mais recentemente, os moto-boys. o trabalho transtornou a essência dos humanos de tal forma que eles tiveram que inventar algo mais louco ainda para justificar aquela correria toda, uma tal de "felicidade". durante a maior parte de suas vidas eles não lembram ou não sabem ou não tem tempo para aproveitar essa tal felicidade. apenas sentem que estão bem próximos dela quando chega outro verão, migram todos para as praias de Santa Catarina e ficam pensando na beira do mar: ainda bem que eu não tenho nada para fazer no resto do dia. é quando eles começam a resgatar algo que estava perdido e uma luz vai surgindo e uma coceira e uma vontade esquisita de acasalar e subir em árvores e... toca o celular e estraga tudo!

06/02/2007

cigarette break

it's a traffic jam when you're already late
it's a no-smoking sign on your cigarette break
it's like ten thousand spoons when all you need is a knife
and isn't it ironic... don't you think
a little too ironic... and yeah, i really do think...

os fumantes deveriam ser classificados como sub-espécie e perder todos os direitos de cidadania -- alguém que ingere 4.720 substâncias tóxicas por livre e espontânea vontade é incapaz de qualquer argumento razoável para representar um posicionamento político-social-econômico-e-etecétaras. em seguida, deveriam ser condenados sem direito de defesa ao pagamento de serviços forçados ou, na melhor das hipóteses, comunitários. não, pensando bem, melhor afastá-los definitivamente da comunidade. os fumantes são companhias desagradáveis! a idéia de jogar os fumantes aos leões ou crocodilos ou capivaras (ahn, vamos deixar as capivaras fora dessa conversa!) não é tão ruim, mas receio pela saúde dos bichos. um poço bem fundo acho que já é o suficiente. e nunca, em hipótese alguma, permita que um fumante use sua sala de estar como cinzeiro, nem a cozinha, nem a área de serviço, nem as escadarias do prédio (o jardim, nem pensar!), nem a calçada ou ruas próximas! se quiser, que vá fumar em outro bairro ou fora da cidade e leve junto nas roupas, unhas, dentes e pulmões a quantidade suficiente de carbono 14, chumbo, cádmio, níquel, arsênico, formol, amônia e monóxido de carbono -- se juntar isso tudo nas quantidades certas será que dá pra produzir uma bomba? e nas carterias de cigarros, o Ministério da Saúde poderia abandonar o politicamente correto irritante de sempre e partir logo de uma vez para as ofensas e ridicularização dos fumantes. enfim, eu poderia prosseguir com uma lista interminável de sugestões para o isolamento total dessas criaturas, até pensei iniciar uma campanha anti-fumo no blog, mas agora preciso me ausentar para comprar cigarros porque já revirei a casa inteira sem sucesso e a abstinência de nicotina está me fazendo surtar!

* Ironic - Alanis Morissette

05/02/2007

boa noite e boa sorte *

crianças, abram o Manual da Vida Moderna na página 15857 e vamos aprender um pouco mais sobre a "Era da Comunicação"... o objetivo básico da comunicação nos dias de hoje é formar opiniões em blocos. um exemplo prático: eu informo a você que o déficit da Previdência foi de R$ 42 bilhões. você acredita estar informado. o que deixei de dizer é que aproximadamente R$ 38 bilhões desse valor é provocado pelo desvio de verbas para pagamento de dívidas públicas, renúncias e isenções fiscais e etecétaras, propostas por outros ministérios, que afetam diretamente nas contas da Previdência. isso é desinformação. e mesmo que mais tarde, de forma diluída, eu apresente esses números, o desconforto já está instalado. é mais ou menos como colocar fogo na casa e depois ir apagando com um copo de água. qualquer criatura começa achar aquilo tudo muito chato e que o melhor a fazer é jogar gasolina pra acabar com o assunto logo de uma vez.

a técnica da desinformação consiste em confundir as informações essenciais com informações insignificantes. assim, podemos assistir intercalado ao anúncio do déficit da Previdência, imagens de um acidente de ônibus no interior do Kazaquistão onde morreram dois turistas argelinos, os gols da rodada do campeonato paranaense e as novas tendências apresentadas durante a Milan Spring Collections. essa montanha-russa de sensações não permite um aprofundamento crítico e impede a memorização ou interesse fixo sobre qualquer assunto por mais de cinco minutos -- eu falei cinco minutos? tudo isso!? e mesmo os acontecimentos importantes são tratados com superficialidade caótica. a notícia é apresentada como propaganda de sabão em pó -- repleta de frases "marcantes", seguida por comentários de "analistas" que aparecem sabe lá de onde avalizando a informação com números e nomes e projeções e estatísticas impossíveis de compreender, e está feito! agora, vamos para a previsão do tempo na região sul e sudeste...

a sutileza da desinformação está justamente no fato de não divulgar informações falsas, mas em manter desinformado pelo tempo que for necessário. não é uma mentira, também não é uma verdade -- Bush sacou a utilidade da desinformação durante a invasão do Iraque. se eu fosse um paranóico, sou apenas um saudável esquizofrênico, diria que a desinformação é uma conspiração que pretende manter algum status quo qualquer. mas aí já é dar muito crédito para a estupidez humana.

na próxima aula, página 46345: como fritar um ovo sem grudar na frigideira.

* Good Night, and Good Luck (George Clooney, 2005)
para saber um pouco mais sobre informação e desinformação.

04/02/2007

só quando eu quero

minha língua arde estranha ao teu nome que parte ao meio o chão da sala escorrendo tuas mãos pelas paredes tomadas de assombro no quarto andar e você não quer ir embora e você não pergunta e você não disfarça porque sabe mesmo que o meu desejo vai te abandonar e não serviu pra nada guardar nossos sonhos em lugar seguro se o que queremos é dormir na rua apostando tudo e perder em segundos o que a cidade inteira leva uma semana pra se acostumar e não tem mais jeito e agora é tarde e se estou errado você está na chuva e falta quase nada pra me alcançar.